quinta-feira, 24 de maio de 2012

A MEDICINA


           
      O estudo metódico da medicina bíblica só começou no século XVII. A partir de então, acumularam-se as descobertas sobre essa arte, tal como era conhecida e praticada na época em Israel, no Egito e na Mesopotâmia. Os termos que designam o médico, a medicina ou a ideia de curar (rofé) repetem-se oitenta e uma vez no Antigo testamento e oitenta e três no Novo. Juntamente com os médicos, os sacerdotes, as parteiras e, às vezes, os profetas também desempenham funções médicas. Os embalsamadores e certas categorias de feiticeiros também são honrados com o título de médico.
      A ideia central é que a doença e a saúde dependem de Deus. Essencialmente, é Ele que envia o mal e é Ele que cura, seja diretamente, seja por intermédio de um profeta. Uma simples prece pode restituir a saúde a um doente. Por vezes, é preciso agir. Olhando as serpentes de bronze erigidas no campo dos hebreus as pessoas se curavam das mordidas de cobras. Um cajado mergulhado nas águas poluídas tornava-as salubres; uma imersão curava a lepra e um profeta podia ressuscitar um morto. É evidente que os intentos de explicação racionalista desses “milagres”, assim como os do Novo Testamento, contradizem o que pensam e creem os homens da Bíblia.
      No entanto, eles têm conhecimentos médicos indiscutíveis, que lhes permitem curar, sem a ajuda do milagre. Tinham conhecimentos de anatomia. O homem era por eles conhecido enquanto estrutura viva: os nomes e as funções das partes do corpo, inclusive o embrião, o útero, o fígado, os ossos e os músculos do homem são detalhados com uma precisão técnica tão grande, que as línguas modernas não possuem todos os equivalentes para essa diversificadíssima terminologia. Noções de fisiologia transparecem nas expressões que identificam o sangue ou a respiração com a própria vida. O papel psicossomático do coração, do fígado, dos rins é sublinhado na linguagem cotidiana. O movimento do sangue era conhecido dos antigos, embora tenha sido necessário esperar o ano 1628 de nossa era para descobrir as leis de sua circulação.
     Joel não sabe não distinguir a pureza ritual da limpeza ou da higiene, pois vive globalmente em Deus. Contudo, as leis da essência religiosa que ele respeita obrigam-no a não comer carnes estragadas, a detectar em suas fezes os menores sinais de doença, a banir todo alimento impuro, inclusive o sangue. Ele nunca comia carne de animais cujo não consumo favorecesse uma melhor higiene. O corpo do homem devia ser religioso e regularmente lavado em várias circunstâncias da vida cotidiana. Os regulamentos do exército insistiam nas regras da limpeza do soldado e de seu campo. A higiene sexual também ocupava um lugar importante na vida do sal, obrigado a lavar-se depois de cada relação e abster-se do coito durante a menstruação da mulher.
     Em matéria de medicina interna, a Bíblia cita oitenta e cinco vezes o coração enquanto sede da vida, da sensibilidade e do pensamento do homem. O Livro de Samuel descreve com uma precisão clínica o infarto que paralisa Nabal antes de sua morte, dez dias depois, de um segundo ataque. A Bíblia sabe diagnosticar os distúrbios circulatórios de que sofre o velho rei David ou a arteriosclerose do rei Asa. A doença renal do rei Jordão também é descrita com exatidão.
      Joel vê o grande espaço que a cirurgia e a ortopedia ocupam na vida do povo, do qual cada filho homem, aos oito dias de idade, sofre a delicada operação da circuncisão. Não é Deus o grande cirurgião que tirou uma costela do corpo do homem para criar com ela uma obra-prima, a mulher?  Os cirurgiões de Israel têm objetivos mais modestos: eles reparam uma fratura do braço ou da perna com tanta destreza quanto o faz um ortopedista de nossos dias.
Essa arte era conhecida deste o terceiro milênio – prova-o uma múmia. Os egípcios praticam esse tipo de operação que as guerras tão banais quanto necessário. A trepanação era praticada, como atestam alguns crânios, notadamente de um homem que vivia há quase três mil anos, encontrado em Laquis.
      Os hebreus já conheciam empiricamente doenças cujas causas só foram determinadas no século XX, como a acromegalia (saruá), desenvolvimento excessivos das extremidades, estudados em 1907 por J. Erdheim, ou os distúrbios endócrinos que provocam a intumescência dos testículos (meruah ashahh). Os textos bíblicos abundam em anotações sobre a menstruação, os corrimentos e as doenças da mulher. O feto é chamado, com graça e exatidão, de fruto do ventre.
      As escrituras Sagradas mencionam os cinco sentidos e anotamos os distúrbios de seu funcionamento. As doenças dos nervos, as depressões e a loucura são mencionadas como frequência, mas em termos tão genéricos, que é impossível diagnosticar a que podiam corresponder exatamente. Em compensação, as doenças da pele e do sexo são descritas com profusão de detalhes técnicos. Note-se que o enuco e o castrado não podem “entrar na assembleia de Iahweh”, o que impede seu casamento.
      As epidemias são tão temidas quanto às guerras ou a fome. Trata-se, geralmente, de epidemias de peste que se propagam por contágio. Os antigos sabiam que o isolamento do doente ou o abandono da cidade saqueada constituíam a defesa mais eficaz contra o mal. A Bíblia menciona igualmente os envenenamentos e os distúrbios provocados pelas mordidas de animais venenosos, sem com isso desvendar suas causas toxicológicas.
      No que concerne à velhice, ela é descrita em termos que nenhum gerontólogo (geriatra) atual repudiaria, na passagem poética que traz uma espécie de conclusão aos pensamentos do Eclesiastes.
     Assim, os hebreus concebem a alma e o corpo cimo uma unidade viva: o homem possui a vida num grau tão mais intenso quanto mais tiver a bênção de Iahweh. A doença leva o homem para a morte; a cura é um fenômeno espiritual que restaura a integridade do ser e sua livre comunicação com as forças da vida que estão em Iahweh. Portanto, as doenças mais graves são curadas pelos sacerdotes e homens de Deus nos santuários, ou seja, em cada profissão.
      A lepra, ou a espécie de doença de pele que a palavra saraá designa, é objeto de longas análises no Levítico.
O sacerdote é encarregado de diagnosticar a doença e constatar sua agravação ou desaparecimento. Sacrifícios e abluções concorrem para a purificação do doente ou mesmo da casa atingida. Pois a doença é provocada por um “demônio” que se apoderou do doente enfraquecido pelo pecado – é preciso expulsá-lo do corpo atingido, de seus Pêlos, que serão raspados, e dos objetos que possam ter sido atingidos, que são lavados ou queimados. Os pássaros puros, a madeira de cedro, o carmesim de cochonilha, a manjerona e a água corrente são alguns remédios recomendados. O sacerdote administra-os de acordo com um ritual rigoroso. Assim, a legislação sacerdotal codifica as doenças que tornam o homem impuro e estabelece os remédios destinados a purificá-lo ou curá-lo. Juntamente com as doenças da pele, as doenças sexuais são as mais citadas na Bíblia. A lei impõe, assim, regras rigorosíssimas de higiene corporal, alimentar, sexual e preocupa-se com a salvaguarda da saúde pública. Essas medidas se impõem com força ainda maior por estarem ligadas à exigências da pureza e da santidade religiosa. O primeiro médico é o próprio Deus. Os médicos receitam tratamentos à base de plantas medicinais, mas quem cura de verdade é apenas Deus, ou sacerdote e o profeta, graças a seus poderes carismáticos.

Extraído do Livro Os Homens da Bíblia, p. 160 a 164 – Autor André Chouraqui

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